A Kunsthalle Lissabon tem o prazer de apresentar Luso-portugueses , uma exposição individual do artista visual René Tavares, natural de São Tomé, em exibição de 10 de dezembro de 2025 a 28 de fevereiro de 2026. A exposição reúne um novo conjunto de obras desenvolvido especificamente para a KL.
Luso-angolano, luso-santomense, luso-brasileiro, luso-cabo-verdiano, luso-moçambicano, luso-guineano, luso-timorense… mas por que não simplesmente português? Luso-português parte dessa ironia linguística para desafiar as fronteiras históricas, coloniais e identitárias inerentes ao próprio ato de nomear, à própria ideia de “luso”, e para questionar quem está autorizado a habitar essa categoria. Conectados por histórias de dominação e circulação, territórios em outras latitudes foram marcados por um prefixo que define o “outro”: o “quase”, o “não exatamente”, o “híbrido”, o “fora da norma”. Um sotaque deixa de ser uma característica distintiva para se tornar um marcador de exclusão. Aqui, o termo “luso-” torna-se uma ferramenta para a reflexão crítica: quem pode ser chamado de “luso”? Quem tem permissão para usar esse prefixo? E o que revela essa distribuição desigual de nomes, categorias e sotaques?
A prática de René Tavares une memória, identidade e diáspora através da pintura, do desenho, da fotografia e de elementos têxteis. Seu trabalho reflete sobre os processos de crioulização cultural, os legados coloniais e as formas de resistência inscritas nas narrativas afro-diaspóricas contemporâneas. Através de gestos sobrepostos e campos de cor, ele cria composições em que figuração e abstração se entrelaçam, evocando tanto a herança cultural de São Tomé e Príncipe quanto as realidades híbridas e mutáveis de um mundo pós-colonial.
Na Kunsthalle Lisboa, Tavares apresenta um novo conjunto de obras que expande sua investigação contínua sobre memória histórica e pertencimento. Diversas figuras aparecem sobrepostas ao brasão de armas português, um gesto que suscita questões fundamentais: o que significa ostentar um brasão de armas? Quem o possui e quem é excluído dele? Que vestígios de herança, poder ou falta de reconhecimento estão inscritos em tal símbolo?
Entre as novas pinturas, destaca-se uma série de figuras inseridas em interiores domésticos — um território incomum para o artista. Numa delas, uma família posa no que poderia ser a sua sala de estar, onde se sobressai uma coleção de porcelana Vista Alegre, comum em muitas casas portuguesas. A presença destes objetos evoca um desejo histórico de integração num imaginário específico da identidade portuguesa, refletindo a forma como os sinais de prestígio e pertença circulam, são apropriados e reconfigurados. Noutro retrato, uma mulher sentada numa cadeira verde encara o observador com uma postura firme, até mesmo desafiadora, afirmando presença e autonomia.
Ao lado dos retratos, um tríptico de naturezas-mortas apresenta ramos de algodão — material profundamente ligado às economias coloniais e à sua violência — usados como elementos de decoração doméstica, colocados em vasos da mesma porcelana azul e branca, apoiados em móveis de madeira tradicionais cobertos com renda branca. Essas composições criam uma tensão entre a beleza decorativa e as histórias de extração de corpos, terras e trabalho forçado.
Completando o conjunto, encontra-se uma cadeira que evoca simultaneamente o trono monárquico português e a “Cadeira dos Leões” presidencial, hoje parte do Gabinete Oficial do Estado. É um objeto que levanta questões de autoridade, representação e legitimidade: a quem é permitido ocupar esse assento? Como se constrói ou se nega o direito de ocupar uma posição de poder? Nesse diálogo, a mulher sentada torna-se ainda mais incisiva: que corpo pode reivindicar esse assento e que história possibilita — ou impede — essa reivindicação?
Em conjunto, estas obras articulam diferentes maneiras de representar presença, hierarquia e memória, convidando à reflexão sobre como a história é transmitida e transformada por meio de imagens, corpos e espaços. A exposição não apenas questiona como vemos e somos vistos, mas também como somos nomeados, quem detém o poder de nomear e o que essa nomeação produz simbolicamente, politicamente e socialmente.
Morada: Rua José Sobral Cid 9E, Lisboa

