IMPERMANENTIA: Exposição Individual de Ana Malta
“Impermanentia” apresenta um conjunto inédito de obras executadas a pastel ao longo de 2025, através do qual Ana Malta aprofunda a sua pesquisa em torno das relações entre corpo, memória, tempo e espaço íntimo.
Distinguindo-se pela intensidade cromática e gestual da sua linguagem plástica, Ana Malta consagra transversalmente o corpo - reiteradamente retratado - como um arquivo vivo de emoções e memorações, patenteando a fragilidade e a mutabilidade da identidade.
Na génese da sua obra subsiste um encanto particular pela memória de curto prazo e pela sua natureza volátil, fragmentária e sensorial.
Partindo desta premissa, a sua prática de pintura convoca o automatismo psíquico puro, caro à tradição surrealista, como método de exploração do gesto e do inconsciente, permitindo que o erro se converta em possibilidade poética e que o ato de desenhar e pintar assuma uma dimensão de descoberta intuitiva.
As suas composições emergem de um conjunto de manchas primordiais, aparentemente arbitrárias, que operam como matriz estrutural do processo criativo — um território de indeterminação onde a forma se revela gradualmente. A partir dessa base, Ana Malta instaura uma ordem interior que organiza o caos visual e vital, transformando a espontaneidade do gesto e a fluidez da lembrança em registos de vivências efémeras. O resultado é uma cartografia emocional em permanente construção, onde o acaso, a cor e a renovação do gesto instauram um diálogo entre controlo e liberdade, entre intuição e consciência.
“Impermanentia” decorre na designação da obra homónima da artista que lhe serve de eixo conceptual — um livro constituído por pinturas sobre suporte têxtil, cuja estrutura física e narrativa se encontra em permanente mutação.
Concebido como um objeto de leitura e contemplação, o livro-objeto-artístico desdobra-se em fólios que, uma vez desmembrados e reagrupados, configuram uma pintura única de dupla face, capaz de ser instalada, reinstalada ou reconvertida à sua forma original de lâminas, conforme o gesto ou o arbítrio da artista.
Esta condição mutante — entre o objeto e a pintura, entre o íntimo e o público, entre o estático e o performativo — confere-lhe uma natureza efémera e reversível, tornando-o igualmente suscetível de ativação enquanto happening.
A obra inscreve-se na tradição dos livros de artista que questiona a fronteira entre texto, imagem e objeto, propondo novas formas de leitura e de experiência estética.
Arroga-se metáfora da impermanência cultural: um corpo vivo que se desmembra e recompõe, que se altera, absorve e incorpora novos elementos. Um organismo simbólico e simbiótico em constante processo de regeneração. A sua estrutura aberta e cumulativa traduz o carácter transitório da vida e da cultura, entendida não como arquivo fixo, mas como matriz em movimento, sujeita à erosão do tempo, à reinterpretação e à inevitável transformação.
“Impermanentia“ assume-se assim como uma reflexão sobre a instabilidade da forma e da memória, e, simultaneamente, sobre a vitalidade da criação artística de Ana Malta enquanto ato de reinvenção contínua.
A mostra integra também em destaque “Papel de Parede”: uma obra de produção colaborativa concebida pelo coletivo artístico Vês.Três, formado por Ana Malta, Madalena Pequito e Maria de Brito Matias.
Consistindo num rolo contínuo de dez metros de comprimento, pintado em gesto colaborativo, a obra é alienada a metro ao longo da exposição, num ato de crítica performativa dirigido às dinâmicas de mercantilização da arte, ao consumismo exacerbado e à crise de acessibilidade habitacional que caracteriza a contemporaneidade portuguesa. O título — de aparente banalidade doméstica — é, contudo, profundamente irónico: o “papel de parede” converter-se em metáfora visual da superfície estética como produto de consumo, mas também em palimpsesto coletivo, onde se sobrepõem gestos, intenções e identidades.
A inclusão desta obra no contexto de “Impermanentia” reafirma o interesse de Ana Malta por processos colaborativos e práticas de criação partilhada, situando-a numa linguagem uma vez mais cara ao movimento surrealista que, através de experiências como o cadavre-exquis, procurou libertar o ato criativo das hierarquias da autoria e da lógica racional.
Veiculada pelo coletivo Vês.Três, essa herança é reinterpretada à luz da contemporaneidade, convertendo a colaboração num gesto de resistência poética e política face às estruturas de individualismo e de mercado que dominam a produção artística atual.
A obra, procedente desse ato de consonância enuncia-se como objeto híbrido e efémero, simultaneamente obra, ação e comentário, que nos devolve a consciência da transitoriedade dos valores — estéticos, económicos e culturais — sobre os quais assenta a própria noção de permanência.
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