VOX POPULI: EXPOSIÇÃO INDIVIDUAL DE NELO TEIXEIRA
A exposição Vox Populi constitui uma intervenção monumental que formaliza e problematiza o universo singular de Nelo Teixeira - uma das mais singulares figuras do panorama artístico da arte contemporânea angolana. Reunindo um conjunto inédito de cerca de 20 obras que, no que à linguagem diz respeito, atravessam as linhas de fronteira entre a arte naïf de cariz autodidata, a arte bruta e a narrativa sociopolítica, o projeto desenha uma cartografia crítica da condição humana e social em Angola, enraizada no diálogo entre precariedade, resistência, resiliência e memória.
O conceito de vox populi, entendido aqui como a ressonância da voz coletiva, emerge na prática de Nelo Teixeira através da incorporação gráfica de expressões vernaculares que se assumem simultaneamente denúncia e enunciação, clamores poéticos e políticos.
Frases que transcendem a linguagem para se inscreverem como atos performativos. Estas expressões, frequentemente integradas em suportes produzidos a partir de materiais descartados ou found objects — latas, papeis, revistas e jornais, tecidos, pacotes de whisky, sucata, tintas industriais descartadas, fragmentos procedentes do movimento de implosão das favelas de Luanda —, tornam-se signos de um léxico visual que tensiona as contradições de uma sociedade marcada pela desigualdade, pela fome e pela devastação perpetrada pela lógica da sociedade contemporânea de consumo.
Na prática instalativa de Nelo Teixeira, as gavetas, caixas de madeira e outros fragmentos de alusão arquitetónica surgem como metáforas poderosas do edificado e do desabrigo, da construção e da ruína. Essas formas, por um lado, evocam a arquitetura informal das comunidades periféricas; por outro, resgatam a experiência do artista no domínio das construções cénicas, instaurando uma teatralidade imanente que posiciona o espectador como coadjuvante no drama social encenado. Os objetos, detritos de um sistema que implode tanto material quanto socialmente, convertem-se no testemunho da fragilidade do tecido urbano e humano, ao mesmo tempo que oferecem uma plataforma de resistência, reconfiguração e criação coletiva.
Vox Populi articula-se assim como uma polis encarnada: um espaço onde o material, o vernacular e o simbólico convergem para dar corpo à voz de uma nação.
Aqui, o gesto do artista transcende o estético para se posicionar como um ato político, convocando o público a ouvir, a participar e a reconstruir, nas ruínas, os alicerces de uma nova possibilidade social.
Nesse contexto, a obra de Nelo Teixeira encontra ressonâncias profundas tanto na Arte Bruta quanto no movimento Fluxus, estabelecendo diálogos entre a autenticidade visceral do gesto criativo e a subversão das fronteiras convencionais da arte. Tal como os preceitos da Arte Bruta de Jean Dubuffet, a prática de Nelo Teixeira rejeita as normas institucionalizadas, sustentando-se numa expressão espontânea, na potência do instinto e no uso de materiais encontrados, que carregam consigo a memória da exclusão e do desperdício. Simultaneamente, a sua capacidade de transformar esses resíduos em narrativas coletivas, através de ações e instalações performativas, conecta-se à ethos Fluxus, que concebia a arte como um evento participativo e integrado à vida cotidiana. Assim, a obra de Nelo Teixeira não apenas traduz, mas expande essas tradições, circunscrevendo-as ao contexto angolano, de precariedade e resiliência, onde a ação artística se confunde com a urgência de reimaginar o social.
Cumulativamente, a obra de Nelo Teixeira apresenta uma forte conexão com os campos da poesia visual e sonora, inscrevendo-se como uma manifestação híbrida que transcende a materialidade e alcança a dimensão do verbo e do ritmo. As expressões vernaculares que repetidamente permeiam o seu trabalho — como “povo +”, “povo, povo, fala povo popular”, “Liberdade”, “mais pão com Best”, “fala + povo”, “Kid” — operam como enunciados poéticos de excelsa carga simbólica, configurando uma linguagem visual onde a palavra não apenas comunica, mas clama, denuncia e convoca. Esse caráter performativo das inscrições encontra ecos na poesia concreta e na poesia sonora, transformando a repetição de palavras, frases e formas gráficas em pulsação rítmica, que reverbera entre os fragmentos e espaços da instalação. Assim, o vocabulário estético de Nelo Teixeira assume a potência de um grito coletivo, onde som, palavra e matéria se entrelaçam numa tessitura profundamente política e sensorial.
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"Vox Populi" by Nelo Teixeira
e-Cultura, 7 Fevereiro 2025 -
Angolan Plastic Artist exposes "Vox Populist" in Portugal
AngoP, 6 Fevereiro 2025 -
Inauguration of the "VOX POPULI" Exhibition by NELO TEIXEIRA
Viver Angola, 8 Fevereiro 2025 -
Nelo Teixeira shows new works in an exhibition in the Portuguese capital
Roque Silva, Jornal Angola, 8 Fevereiro 2025