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A Polissemia do Jogo
Inspirando-se na polissemia do conceito de jogo, este projeto curatorial propõe um espaço de experimentação e descoberta, onde a criação artística se estabelece como um campo de liberdade e questionamento. A ludicidade surge aqui não apenas como um ato espontâneo e descomprometido, mas como um mecanismo crítico que desestabiliza leituras cristalizadas e abre caminho para novas possibilidades de discurso. O projeto incentiva uma interação dinâmica entre obra e espectador, promovendo um envolvimento sensorial e intelectual que alia a expressão criativa à reflexão sobre as estruturas narrativas que moldam a perceção da história e da contemporaneidade.
Ao mesmo tempo, o projeto curatorial examina as implicações da decolonialidade no panorama artístico global, explorando de que forma a arte africana contemporânea desafia e reconfigura paradigmas históricos impostos por narrativas eurocêntricas. Mais do que um comentário sobre a herança colonial, esta proposta procura evidenciar como os artistas africanos, através da sua prática, reivindicam novos espaços de legitimidade e enunciação, transformando a sua produção numa plataforma de ressignificação cultural. A seleção de obras dos artistas Ibrahim Bemba Kebe (Mali, 1996), Osvaldo Ferreira (Angola, 1980) e Sanjo Lawal (Nigéria, 1997) constitui um meio para revisitar os legados históricos e promover um pensamento crítico capaz de questionar as leituras dominantes da produção artística contemporânea.
Como ponto focal marcante do stand, um paredão isolado na parte frontal apresenta uma instalação composta por dez obras da série Flores Delicadas Que Não Têm Medo da Morte de António Faria. Esta inclusão fortalece o diálogo conceptual entre os temas da introspeção, do discurso decolonial e das narrativas em transformação da arte africana contemporânea. Recém-apresentado na nossa galeria de Lisboa, o trabalho de António Faria está profundamente enraizado na noção de melancolia e na exploração das paisagens interiores, onde a natureza se converte num reflexo do íntimo. Embora a sua origem portuguesa-europeia o distancie das narrativas coloniais diretas, a sua obra ressoa com a inquietação existencial que as comunidades têm enfrentado ao longo da história. As suas composições, simultaneamente monumentais e profundamente íntimas, não se constituem como crónicas históricas, mas antes como espelhos de emoções, promovendo um envolvimento alegórico com as complexidades da memória, do desenraizamento e da identidade.
Através dos seus intricados desenhos monocromáticos, a linguagem visual de Faria amplia o discurso curatorial, estendendo-o para além da crítica pós-colonial e promovendo uma meditação universal sobre a experiência e a resiliência humanas. Esta perspetiva mais subtil e transversal enriquece a proposta curatorial, reforçando a intenção do projeto de estabelecer pontes entre as expressões artísticas contemporâneas e os territórios da história e da emoção.
Desenvolvido especificamente para a Investec Cape Town Art Fair 2025, este projeto curatorial propõe uma interseção entre o jogo enquanto território de criação e uma reflexão crítica sobre os resquícios do colonialismo e a sua ressignificação no presente. O caráter transformador da arte é aqui evidenciado na sua dimensão discursiva, enquanto campo de negociação simbólica e de afirmação de múltiplas subjetividades.