Termo Kimbundo para “lar”, “Ndako”, enquanto exposição é um convite a transcender o tempo, mergulhando de forma saudosista nas memórias familiares de Débora Sandjai através de uma conjugação harmoniosa entre pintura, vídeo e reminiscências pessoais, que cumulativamente produzem um lugar de encontro e de pertença, que ressoa visceralmente com o espaço da memória coletiva de três gerações que partilham a história da guerra civil de Angola.
Uma exposição que encerra um conjunto de 10 obras inéditas que evocam as noções de força e perseverança por meio à representação de uma geografia dos afetos, habitada de celebrações venturosas, de vislumbres de união familiar e de espaços de reencontro. Repleta de momentos profundamente ansiados em tempos vigentes de extrema fragmentação social e política a que os idealismos sucumbem.
A produção artística de Débora Sandjai captura de forma pungente este metamorfismo. As suas obras evocam a produção fotográfica de caráter privado e familiar dos anos 90 e do início dos anos 2000, capturando momentos que merecem ser interrogados. São retratadas reuniões familiares, reencontros após anos de separação devido à guerra e a performance de figuras maternas, paternas e fraternas.
Estas ocorrências assumem um carácter profundamente autobiográfico. São entretecidas com as experiências pessoais de Débora Sandjai, que cresceu como Testemunha de Jeová, envolta por uma crença religiosa que, na sua extensa lista de proibições, a afastou da sua família, abrindo espaço à edificação de uma relação sublime com a avó, que professava crenças religiosas distintas.
“Ndako” é uma celebração da família, do amor fraterno e da aceitação. Ostenta uma narrativa que se vê sepultada sob o estado convulso de um país que a deszela, em favor de uma conceção à mentalidade da sobrevivência individual, mas que pode ser reavida, sustentando-se a essência dos laços familiares, apanágio do lar.
Nesta mostra, transcendendo-se a conceção de um mero campo de inscrição de memórias, cada obra é um fragmento de uma identidade em construção, onde as memorações pessoais se entrelaçam com a reminiscência coletiva de uma nação. Através dela Débora Sandjai recupera histórias abandonadas e sentimentos omissos, evocando uma ligação profunda às raízes e à ancestralidade. Em "Ndako", o lar deixa de ser apenas um espaço físico para se reconsiderar como constelação de experiências, de vivências repartidas, de afetos que atravessam gerações e resistem ao desgaste do tempo.
Ao percorrer esta exposição, somos convidados a refletir sobre a natureza volátil da identidade, construída não apenas nos pontos de partida ou chegada, mas nos momentos de encontro, nos silêncios cúmplices e nas memórias partilhadas. "Ndako" desafia-nos a reconhecer que a nossa essência é esculpida pelas experiências íntimas, pelas histórias que herdamos e por aquelas que escolhemos viver e contar.